quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Esperando Godot!


Estragon - Espere! Eu me pergunto se não teria sido melhor que a gente tivesse ficado sozinho, cada um por si. Nós não fomos feitos para a mesma estrada.
Vladimir - Isso nunca se sabe.
Estragon - Não, nunca se sabe nada.
Vladimir - Nós ainda podemos nos separar; se você achar melhor.
Estragon - Agora é tarde demais.
Vladimir - É, agora é tarde demais.
Estragon - Então, vamos?
Vladimir - Vamos.

Esperando Godot foi escrita pelo dramaturgo inglês Samuel Becket em 1949, sendo que suas duas personagens são dois maltrapilhos, Vladimir e Estragon. Eles passam durante todo o tempo da peça embaixo de uma árvore, esperando por esse tal Godot, que não se define bem quem ou o que realmente seria, apenas que ele ou este lhe traria a esperança de dias melhores. Mas ele não apareceu, a espera se tornara infrutífera.
Obviamente que essa peça pode adquirir contornos individuais, e cada um pode interpretá-la de forma individual. Mas a esperança, creio eu, é um valor individual. Todos nós, independente de tempo e espaço, acreditamos em um acontecimento ou pessoa que venha a modificar a nossa pequena vida, e os métodos pelos quais esse fato ocorreria são também únicos. Durante toda a história Godot adquiriu roupagem diversa. Poderia-se dizer que durante o Feudalismo ele se travestiu na promessa do servo que almejava adquirir a sua liberdade e deixar de depender do seu senhor, sem ter de lhe pagar altas taxas e se manter preso a um sistema social arcaico e de papéis sociais bem definidos. Durante a Revolução Industrial Godot apareceu para os operários como uma esperança de salários e condições de trabalho dignas, em que, se não se obtivesse riqueza, ao menos os trabalhadores ganhassem o suficiente para assegurar-lhes uma existência digna. Já durante a Revolução Russa de 1917 se acreditava que Godot (inconscientemente) apareceria com uma nação sem disparidades sociais, em que tanto o jardineiro quanto o alto empresário tivessem os mesmos reconhecimentos e igualdade perante a lei e o governo.
Enfim, o mais interessante nisso tudo é o que esperamos, sempre, durante toda a nossa vida. Sonhos, ilusões, utopias, ideologias, ou simplesmente crenças religiosas. Todas elas tem por fim nos fazer crer em algo. Dinheiro, filhos saudáveis, família feliz, êxito profissional, justiça social, o fim da guerra no Iraque, igualdade entre os sexos, aquisição da casa própria, o tapamento do buraco da rua onde moramos, o reprise na televisão daquele filme que adoramos, aquele produto top de linha na loja do shopping, enfim, nossos desejos são realmente das mais variadas naturezas e nenhum deve ser encarado com pequenez em detrimento de outros. São os sonhos também que fazem de nós ser o que somos, e são eles também que nos mantém, em certo grau, a continuar vivendo.
Eu também tenho o meu Godot, é claro. Quando adolescente, acreditava que poderia usar o meu pretenso talento com as palavras na transformação de uma sociedade mais igualitária, sem tantas desigualdades sociais. Obviamente queria por consequência um rendimento que me proporcionasse uma vida confortável e com acesso aos produtos que almejo ou mesmo necessito. Mas o tempo passa, e muitas vezes a vida nos encaminha por vertentes diferentes daquela que nos moveu anteriormente. Hoje posso dizer que meus sonhos de juventude não se realizarão daquela forma, mas Godot não me desapareceu por completo. Apenas trocou de roupa. Continuo crendo na transformação social através da palavra e dos seus desdobramentos, como popularização da arte e cultura entre os homens, o que viria a torná-los mais cientes do seu papel crítico. E é isso que me mantém, mesmo com todos os pesares. Mas não sei quais serão as minhas esperanças dentro de alguns anos. Mesmo assim, continuo esperando Godot, e, enquanto existir, continuarei colocando mais um lugar à mesa e imaginando o que dialogaremos se ele finalmente aparecer. E você, o que espera dele?

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